berto.com

Case Logic

Porto, 2023-07-04

Tive uma conversa interessante acerca da origem social das músicas que ouvi quando era mais novo.

Fora influências claras do meu pai, o grosso da minha música veio dos meus amigos. Eu não tinha rádio, walkman, discman, nem semanada para sair à noite. Por isso ouvia o que os outros à minha volta ouviam. Não é muito diferente do que aconteceu aos meus amigos, com as suas diferenças.

Ouvi Ornatos pela primeira vez em 2000-2001, já andava no secundário. É uma banda muito boa porque fez música muito boa. Ornatos chegou até mim, acho, através do grupo do Foco, onde vários amigos meus já ouviam Ornatos desde 1998.

Por exemplo, o João Inácio desse grupo sempre foi grande fã de bandas portuguesas e rock alternativo. Quando puxei pelo tópico, descobri que enquanto eu andava a saltar entre computadores 286, 386 e 486 DX2, ele já estava a fundo nos Smashing Pumpkins, primeiro no Siamese Dream e depois no Mellon Collie.., e Oasis com o Morning Glory. Por sua vez, foi a irmã mais velha dele, a Joana, quem o introduziu a essa música. Em 1992 levou-o ao concerto dos GNR onde tocaram o álbum Rock in Rio Douro, e depois levou-o ao concerto de Smashing em 1997 na Alfândega, no festival Imperial. Quando perguntámos à irmã dele, a Joana, fiquei a saber que Smashing Pumpkins já era uma banda de culto no grupo de amigos da geração 70, provavelmente por influência de um “Kiko”.

Outro amigo nosso amigo, o Francisco (outro Kiko), ouvia muita música porque “estava por todo o lado”. Em 2000, a sua festa de 16 anos teve como DJs o João Aires e o Calvário, outros amigos nossos. Estes tinham uma banda chamada Open Mind, fundada em 1999. O Aires era mais velho uns 2 anos e era bastante mais maluco, o que aumentava imenso a variedade de música que ouvia. Ele ia da musica electrónica a St Germain a Paco de Lucia. Apanhou muita música dos irmãos e lembrou-nos a todos de outro fenómeno, a Voxx, a rádio que começou em 1998 e mais tarde veio para o Porto na voz dos jingles do Miguel Bacelar. “Voxx, uma rádio amarela num país cinzento”.

Eu ouvia a Voxx no carro que o Filipe roubava ao pai dele, ou no micro-carro Aixam azul-metálico do Tiago nos momentos em que ele não estava a falar por cima dos CDs, e quando ia ter com o Gonçalo a Lisboa. Eu não tinha carro nem tinha um rádio meu. Lá em casa só passava música clássica, Queen, Chicago, Simon & Garfunkel e muito Jazz e Blues. O meu pai tocava órgão pra mundial, inventava muito a tocar e isso é que fazia a música espetacular. De resto, com muitos irmãos não havia muito silêncio ou momentos introspectivos. No carro o nosso pai usava cassettes para nos calar, e cantava bastante.

Voltando ao Tiago, ele foi a minha fonte de Doors e Bob Marley, e também de umas raras pérolas em bandas Portuguesas como Clã; infelizmente também tive de ouvir muito Ben Harper e Lamb, e até Dave Matthews, que é a Mafalda Veiga do mundo anglo-saxónico. Para compensar, ele também me introduziu a Pearl Jam, Rage Against the Machine e Red Hot Chili Peppers. O Tiago tinha uma case logic apetrechada, e havia sempre tempo para os aliens dos Blasted Mechanism, com alguma música muito fixe e umas fatiotas de filme sci-fi B. Aproveitei para ligar ao Hugo, o irmão mais velho do Tiago, para averiguar as influências. O Hugo explicou-me que descobriu essas bandas todas na sua saga musical que foi de 1992 a 2000 e que foram a génese musical do grupo dele. Ele confirmou as bandas todas que o Tiago falou, várias outras acima, e ainda incluiu Nirvana no grupo. Mas isso passava-nos menos, num colégio de rapazes éramos menos dados aos avanços da música para Emos. Ele apanhava as músicas na Antena 3, nas cassetes e depois nos CDs que comprava na loja ON-OFF no Carrefour. (O antigo Continente da Afurada). Para coisas mais específicas ia com amigos à Tubitec e mais tarde à Virgin. O Hugo também tinha um gravador da Panasonic, que usava só com cassettes TDK ou BASF. Na altura não havia muitos concertos, que surgiram “para a vossa geração”, “a geração dos 80s”. Para eles só havia concertos em Lisboa e no Vilar de Mouros. A música electrónica começou para ele no Cais 447 em 1995/1996, com o DJ Freddy, e compravam-lhe CDs no parque Itália. Os DJs também gravavam cassettes e elas também eram copiadas e distribuídas, como se fazia lá fora.

O Hugo também me contou que estudou um verão na Califórnia em 1998 (em Orange County), e trouxe de lá o CD do Chris Cornell com o Black Hole Sun. Isto foi 18 anos antes da minha passagem por L.A., onde apanhei os primeiros concertos de Arctic Monkeys e onde descobri ao vivo algumas coisas de Roots e dos Rage que desconhecia. Mas isto já é na época pós internet, que inclui o Napster, Limewire, Warez, foruns, cds piratas e iPods. Mas essa é outra história e não esta.

Jimi Hendrix ia aparecendo em playlists de amigos, nunca falhavam e são fixes. Olhando para as músicas dele com objectividade, uma a uma, aquilo é muita performance e pouca música original. Já Led Zeppelin e Pink Floyd eram de outra bitola. Já existiam lá em casa e em casa da minha falecida Tia Tété, eram criações com música e emoções e uma dose saudável de despreendimento sem nunca chegar a ser deprimente. Excepto a Stairway to Heaven, que é em partes iguais genial e irritante.

O Filipe sempre foi o mais electrónico e fluído do grupo, isto é rapava a música de todos. Eu apanhava doses intermináveis de MTV em casa dele, já não me lembro muito bem à espera de quê. Provavelmente da hora certa para ir sair à noite. Ele tinha o melhor sistema de som caseiro de nós todos, pelo menos era aquele em que podíamos pôr o volume mais alto.

Nestas conversas cheguei à conclusão que “todos” tinham TV por cabo, com a MTV (canal 16), o Viva (18) e o Sol Música (15), coisas que me passaram ao lado excepto em casa de amigos. O meu pai era anti TV por cabo por alguma razão que me escapa.

O Paulo alegadamente já ouvia Pantera desde cedo, mas desde que o conheci que o gravei como Pixies e Nirvana, alternando a cara de “hoje vou ao Tendinha” com “ontem fui ao Tendinha”. Apanhou o Unplugged dos Nirvana na MTV. Segundo a lenda, a turma dele obrigava o motorista da carrinha da escola que os levava à ginástica no Boavista a pôr uma cassete dos Nirvana e íam a fazer mosh pela Avenida da Boavista acima. E de onde veio esta música toda? O CD de Pearl Jam foi do Zé Tó. Perguntei ao Zé Tó, também amigo geral do grupo, e ele descobriu-o em 1994. Como? Estava publicitado como Top na Valentim de Carvalho. Silverchair, Greenday, Offspring, tudo o que se podia ouvir, ouvia-se, sem vergonha. E Portishead.

Houve projectos que apanhei não sei de onde, como o Sam de Kid. Vários artistas Portugueses mais velhos iam aparecendo em eventos ou situações, como o Rui Veloso e o provocador Abrunhosa, mas sem marcar muito a nossa geração. Era música rebelde para betos.

Também dava uns pop-slows nas festinhas com amigas. Oficialmente ninguém tinham mas os CDs apareciam sempre na hora agá.

Música brasileira clássica como Tom, Chico, etc ia sendo tocada de uma forma ou outra.

O Lourenço Magalhães sempre teve os melhores LPs e vinis. Música eclética e eletrónica era com ele. E ainda é. Primeiro perguntávamos, depois roubávamos, depois usávamos o Shazam. Depois a música ficou acessível e grátis e digital e cresceu até morrer e tudo ficou no algoritmo final.

Depois havia o pessoal dos Guns n Roses, uma banda que pontua como um Jimi Hendrix da geração Rock 90s: poucos originais de relevo musical, mas espetaculares ao mesmo tempo. Sempre que toca, é bom. De alguma forma, é uma performance que marca ao nível do imbatível Big Mac. O Gonçalo Mendonça era o ponta de lança, e com 9 anos foi mascarado de Slash no carnaval. Por sua vez os Guns chegaram a ele pela mão do primo Miguel Fonseca, com quem não consegui falar. O maior maluco de Guns era o Carvalhosa, liguei-lhe para saber de onde os apanhou. A primeira vez foi no Tributo a Freddy Mercury que a irmã mais velha lhe mostrou em 1992. O João já foi a mais de uma dúzia de concertos deles, e quando lhe falei até ia a um nessa semana (em Madrid). A irmã do Carvalhosa apanhou Guns da amiga Mariana Machado. Esta apanhou via a irmã mais velha, Raquel, que era amiga de uns surfistas. Quem? O Bagaço, o Pisca, Bibas, Baba Lagos, e o Freddy - o mesmo DJ Freddy de acima.

Voltando ao mais velho do grupo, o João Aires. O João começou com o Dark Side of The Moon e The Wall dos Pink Floyd. Eram discos que tinha em casa. Uma grande influência dele foi o irmão mais velho, o Nuno, que o levava a festas de Drum and Bass em Londres. Uma vez o João entrou numa loja em Tottenham Court Road, ouviu LTJ Bukkem e alucinou. Liguei ao irmão dele, o tal Nuno, que me contou que foi lá parar por acaso. Foi assim: Ele estava na ribeira com um amigo, o Pedro Mata, e decidiram fazer um interrail. Comprou bilhete, mas o amigo roeu a corda, e ele fez interrail sozinho. Voltou nesse Agosto e foi para Moledo onde uma amiga de amigas que sugeriu que Londres é que “era”. Era o quê? Era fácil pagar os estudos e ter uma vida boa. Rumou pra Inglaterra. Já saía todas as noites no Porto, “imagina lá”, disse-me. Cá, começava no B Flat original, em Matosinhos em frente à Câmara. Ia com o Zé Barbedo, que era maluco por música, influenciado pelos discos do primo dele de Pink Floyd. Também iam ao Cais 447, Griffons, mais tarde Indústria. Em Inglaterra era mais “o que há à minha volta?”, e com os cowboys dos amigos iam a todo o lado. Jazz no Ronnie Scotts, transe, garage, etc - no Avenue e no Dragon Fly. Tinha a case Logic com os CDs que copiava dos amigos e passava de um lado pro outro. Nas férias não se fazia mais nada (que curtir), vir a Portugal era o Rock n Roll total, festas de transe psicadélico e as raves. Por sua vez o Nuno copiou a música dos irmãos mais velhos, o Luís e o Pedro, que até tinha tido uma banda de Rock, os Chance.

Por sua vez, o nosso Aires junior saía bastante na ribeira, com o Gonçalo Macedo e outros. O Gonçalo tinha bazado para Lisboa no secundário, e parecia meio indeciso, estava a desenvolvier uma personalidade Chapitô. Da Weasel apanhei dele, Jamiroquai apanhei do Nuno Cordeiro. O Gonçalo também tinha as irmãs mais velhas, a Inês e a Sofia. Fui perguntar-lhes. A Inês nunca comprou muita música, começou nas cassetes e trocava álbuns com as amigas. Não se lembra muito bem. Apanhou Bjork de uma Teresa, e como quase todos apanhava também a música do pai, Bee Gees e Vangelis. Guns N’ Roses veio da Sofia, que por sua vez apanhou de outros amigos…